quinta-feira, 29 de setembro de 2011

E houve luz

Dias a fio passaram. Andámos a pescar cavala. Num dia apenas capturámos 60 toneladas, logo com guia de marcha para o Mediterrâneo, para satisfazer os famintos atuns de viveiro em período de engorda. Hoje, finalmente, encontrámos sardinha, grande, boa, fresca, da nossa costa. Fomos quase até Sines, numa distância perto das 20 milhas, dos 40 quilómetros, perto do sustento. Em lota, o leilão começou a 96 cêntimos e terminou a 50 cêntimos por quilo… Após quase 12 horas de trabalho, este é o resultado, quando chegámos orgulhosamente ao Porto de Sesimbra. Havia suor e cansaço, atenuados com um sorriso e uma piada entre camaradas. Para nós, foi uma faina relativamente melhor, quando comparando com os 20 cêntimos por quilo, o preço da cavala. Vimos um pouco mais de luz, em forma de cêntimos. Mais logo, lá estaremos outra vez, com a nossa força, determinação e um emaranhado de crença e fé.
Lá ao fundo

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Descanso no regresso

Manhã. O sol já vai alto. Perco o olhar sobre a costa. Há uma tranquilidade arrebatadora, enquanto a traineira navega no regresso a Sesimbra. A vista consegue alcançar banhistas no areal. O parque de campismo do Meco reluz no encontro com a energia do novo dia. A bordo, apenas se ouve o motor a debitar milhas. Uma atrás da outra. O Mestre descansa, após uma noite de olhos postos na sonda e no sonar, em busca de tons vermelhos, fortes e vastos, traduzidos em peixe. Repousa com o sentido do dever cumprido. O Contra-Mestre toma o leme. Lá em baixo, a tripulação - a companha, como chamamos por estas paragens -, descalça as botas de trabalho. Uns aconchegam o estômago, outros adormecem assim que o corpo cai no beliche. Há imagens do Nosso Senhor Jesus da Chagas – Padroeiro dos Pescadores de Sesimbra – nesta e naquela cabeceira. Noutras, cachecóis do Benfica, em permanente luta para sobressair do azul que domina a Luís Adrião. No convés, apenas capas ao vento, deixando para trás as escamas da última faina.
Capas ao vento

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Destinos inversos

Entre o canto das ondas, as outras ondas, as de rádio, vão fazendo companhia. É hora de regresso a casa. Sabemos que a 2.ª Circular está congestionada junto ao Colombo, que o IC 19 continua fiel à sua fama e que a Ponte 25 de Abril, no final do dia, torna-se um obstáculo e não uma passagem para a outra margem. No mar, deslizamos, sem engarrafamentos nem buzinões. A nossa casa ficou para trás. A sonda vai-nos mostrando que é uma questão de tempo até as redes serem lançadas ao seu destino. O sol ajeita a almofada para o descanso merecido, enquanto nos preparamos para a labuta. Mais uma volta e a traineira inicia o cerco. O cardume promete. Aceitamos o cabo e ouvimos as vozes de comando entre camaradas a bordo. Roncos da maquinaria completam a atmosfera. O alador roda e um duche salgado tolhe rostos e mãos.

Questão de tempo

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Proa ao vento

Estou na enviada. Somos dois. Seguimos para Norte, na esteira da traineira. Há poucas palavras, sinónimo de início da semana. A expectativa é maior. A incerteza é a mesma. Cruzamos o Morro e o vento nasce da rocha calcária, tirando o pó à madeira. Cunhos reluzem ao sol. Cordas e tralhas ganham outras tonalidades, numa celebração tornada comunhão com o sal que lhes bafeja. Na Pedra de Arcanzil, uma pequena furna espirra espuma ao passar da ondulação. Agora, o sinal é evidente: cruzar o Cabo Espichel não será fácil. Mas avançamos. Aproados ao vento e à ondulação, conseguimos passar o Cabo para Norte. Na cova da vaga deixamos de ver a traineira, para depois voltar a aparecer, lá em cima, sobre um manto branco acossado pelo vento. Passamos o Meco, a Lagoa de Albufeira, a Fonte da Telha e a Costa de Caparica. Aventuramo-nos na Barra de Lisboa. Não há peixe, nem uma escama. O Mestre manda mudar de rumo para Sul, até à Costa da Galé. Serão quatro horas de caminho em busca de melhor sorte.
Acossado

(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)